quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A disputa pelo poder nos relacionamentos


Fonte: Google

Vivenciamos um tempo de tecnologias cada vez mais avançadas, de barreiras e distâncias que se dissolvem com apenas um clique, um telefonema ou um e-mail. Tudo hoje é muito mais rápido e prático. Tudo é “pra já”, tudo é pra ontem. Os meios técnicos de comunicação e transporte diminuem cada dia mais a distância física entre as pessoas. Se algo acontece com algum conhecido nosso que está do outro lado do mundo, em pouco tempo nós já estamos sabendo e imediatamente podemos entrar em contato para obter mais notícias.
Entretanto, o que se observa não é uma aproximação proporcional com relação a afetividade. O que se observa são pessoas cada vez mais voltadas para si mesmas, seguindo o discurso vigente de que os seres humanos são individualidades, interioridade em contraposição ao externo; como que separados dos demais sujeitos. Contudo, o modo de ser mais próprio do ser humano é ser-no-mundo-com-o-outro. O homem não é encerrado em si mesmo, é sempre relacional. É correto afirmar que cada um de nós existe à sua maneira, mas não existe apenas para si mesmo. É nesta relação com os outros que as coisas acontecem, que nos abrimos para as possibilidades.
Mas, quando passamos a acreditar que o homem se basta, que ele é tudo, acabamos por nos afastar existencialmente dos outros. O afastamento ou proximidade existencial então, como diriam os autores Mattar, Rodrigues e Sá (2006) não tem relação com a questão espacial; isso é uma redução. E esta redução nos faz sentir acompanhados apenas quando há a presença física do outro.
O homem procura no outro então, algo para minorar sua solidão. Muitos relacionamentos são estabelecidos como meio para satisfação de necessidades ou como uma forma de segurança. Mas isso ainda é afastamento.
Poderíamos dizer que existem duas concepções de relacionamento: (1) O desejado: tido como o grande bem e uma meta de felicidade e (2) O repudiado: visto como fórmula de sofrimento. Esta segunda concepção traz consigo a insegurança e o medo de se envolver. Desta forma, as pessoas buscam assumir o controle da relação, garantindo a permanência do outro ou então trocam de parceiro antes que haja o envolvimento. Ter o outro seria como uma forma de estar protegido e não tê-lo é sentido como vazio, aperto no peito e angústia.
Ainda sobre a percepção de tempo e espaço, lembro de uma fala em um Congresso em que a Psicóloga Maria Bruns dizia que antigamente, ao enviar uma carta, o sujeito escrevia ao seu amado (a) os sentimentos que possuía. Entretanto, esta carta demorava a chegar ao seu destino e a retornar com a resposta. E durante todo o período o sentimento deveria perdurar. Nestes tempos, havia uniformidade, continuidade. Nos dias de hoje, a percepção é diferente. Hoje não se sabe se o sentimento é o mesmo da noite para o dia. É preciso confirmar a todo momento os sentimentos. Antigamente esperava-se o carteiro, o navio, etc. hoje a mensagem chega em qualquer lugar e a qualquer hora. Hoje em dia as pessoas têm pressa; não possuem tempo para investir nas relações que estabelecem.
Qual seria o pano de fundo para este tema tão presente nas clínicas de psicologia? O medo da solidão.
Tendo o amor romântico como concretização da satisfação pessoal, a solidão é vivida como sofrimento. Disponibilizo-me do outro para não ter que vivenciá-la; uso o outro como um escudo. Mas este tipo de relacionamento tende ao fracasso, pois ao invés de me importar com o outro, eu o uso como escudo.  Preferimos nos desviar daquilo que não nos é comum, ou daquilo a que não estamos acostumados, para nos agarrar às interpretações já dadas e impessoais. Não nos abrimos a novas possibilidades. Acreditamos precisar de controle, de certezas e de segurança. Nestes modelos de relação o que predomina é a dependência e dominação, encobertas, segundo os autores Mattar, Rodrigues e Sá (2006) por discursos de valorização de afetos e necessidades de amor; “não posso ficar sem”.  O que de fato ocorre é que se prefere ficar com, porque ficar sem é doloroso.
Para aplacar a solidão e obter segurança costumam haver duas possibilidades: (1) apego ao outro que se busca controlar ou (2) repúdio a qualquer comprometimento - troca de parceiro antes que isso aconteça.
Apesar da concepção de que solidão é vazio, na realidade não há esta possibilidade. Somos seres-com-os-outros por natureza. A solidão existencial se configura então como um afastamento que possibilita o encontro consigo mesmo e com os seus próprios projetos. Desta forma, a solidão é suportável. O nada, o vazio me chama a possibilidades de vir-a-ser, mas é um vir-a-ser-com-o-outro.
Tendemos a fugir da solidão usando os recursos que possuímos, pois ela nos mostra as nossas fragilidades, nossa finitude, nosso ser para a morte. Mas pagamos um preço alto por isso, pois temos que nos esquivar daquilo que nos é mais próprio. Assim, o vazio não é algo que deve ser resolvido pela conquista de relacionamentos seguros. Pois, é neste momento de silêncio que somos capazes de escutar nossas demandas e questionamentos mais próprios e singulares.
Muitas vezes, quando não se suporta a solidão em que se vive, busca-se a psicoterapia pedindo que o psicólogo trabalhe aquelas características que o sujeito acredita lhe impedir de manter relações estáveis. Entretanto, nosso papel não é ajustar pessoas de acordo com os padrões vigentes para que desta forma consiga encontrar o parceiro amoroso. A clínica será um espaço para o sujeito refletir, não só de acordo com a forma predominante de compreensão do real, mas será um espaço para se pensar em diferentes direções. A clínica é um espaço para abertura de novos modos de pensar, para se dar conta de coisas que o sujeito não conseguia antes, espaço para desvelar desejos e sonhos. É abertura para a possibilidade de liberdade, liberdade de se abrir ao que se apresenta.
O psicólogo é um facilitador, que possibilitará que as experiências do sujeito venham à tona, articuladas com o seu contexto histórico. Nesta abertura, o sujeito poderá se dar conta, por exemplo, que ele buscava um parceiro amoroso, como uma forma de demonstrar sucesso, mas que isso na realidade não corresponde às suas necessidades de sentido. Outras pessoas poderão aprender a lidar com a solidão e até mesmo valorizá-la.
O objetivo é permitir novas possibilidades de ser no mundo. Procurar conhecer aquilo que realmente nos faz feliz.

Como estão as nossas relações hoje?! 

Um comentário:

  1. Olá! Belíssimo texto. Em minha convicção, pautada na Gestalt-terapia e na espiritualidade da unidade, vejo o homem contemporâneo buscando em si mesmo aquilo que só pode encontrar no outro: "por constituir-se humano nas relações com o outro (ser-no-mundo) o homem só encontrará a tal 'felicidade' quando compreender que no amor, o que vale é amar! É como deixou claro Martin Buber ao definir que só seremos 'nós mesmos', ou seja, 'só estaremos de posse do nosso si mesmo' quando formos capazes de dizer ao outro: 'És o meu TU".
    Parabéns!

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