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Fonte: Mariana Casotti |
Cátia
colecionava mágoas. Durante os seus 40 anos de vida havia acumulado
ressentimentos que mais pareciam uma mochila pesada trazida em suas costas já
cansadas. Sem perceber, a mágoa prejudicava também os seus relacionamentos
atuais e não só com aqueles com quem havia se desentendido no passado.
Tinha
os desafetos anotados na caderneta de sua mente e acreditava ser possível
esquecê-los e deixá-los para trás de forma simples, como se riscasse na
caderneta de papel as contas já pagas. Entretanto, em diversos acontecimentos
de sua vida ela era convocada a se lembrar destes ressentimentos; o que lhe
causava dor. O que acontecia com a Cátia? Ela confundia esquecer com perdoar e
por isso o coração e a mente continuavam atribulados.
Mas
será que temos assim tão claro em nossa mente no que consiste o perdão?
Se
buscarmos na origem da palavra, perdão significa remissão de pena, ofensa e
dívida. Significa o cancelamento da ofensa recebida do outro. Dessa forma,
perdoar alguém não é o mesmo que negação nem arrogância. Explico:
(1)
Na
negação, assumimos a postura de fingir que está tudo bem. Negamos a
realidade do que se passou e reprimimos a mágoa e a raiva que sentimos.
(2)
Tão
ineficiente quanto, é a arrogância que nos faz “perdoar” por considerarmos
o outro um tolo. Nela assumimos uma postura de superioridade que em nada tem a
ver com o perdão.
Como
é possível perceber nenhuma destas duas posturas permite a reconciliação. Isto
porque não abrem espaço para analisar a situação, observá-la por outro ponto de
vista.
Se
observarmos num panorama maior, será possível perceber o quanto as pessoas têm
se tornado inflexíveis e críticas com os que os cercam. Ao mesmo tempo em que
se busca uma liberdade sem limites nos relacionamentos há uma grande
insegurança. Isso porque, o vínculo entre as pessoas pode ser desfeito a
qualquer momento e por qualquer razão, gerando um desconforto e uma necessidade
de se defender. A dificuldade do perdão se faz entender também nesta realidade.
Cada
vez mais as pessoas evitam aprofundar os seus vínculos com receio de vir a
sofrer. A infelicidade é tida como algo a ser combatida a todo custo, sem
considerarmos que ela é parte do ser humano. E assim sendo, precisa ser ouvida
e falada. Na sociedade que preconiza o combate a infelicidade, se entende o não
aprofundamento dos vínculos como segurança. Sendo assim, torna-se cada vez mais
difícil enxergar e compreender o outro em sua inteireza; como ser humano com
suas qualidades, mas também passivo de falhas. Isso porque não quero conhecê-lo
também em suas limitações, mas somente naquilo que me faz bem. Qual a
consequência? Pessoas despreparadas para lidar com as dificuldades e
frustrações e consequentemente “incapazes” de perdoar.
Diante
do exposto, fica a pergunta: como é possível ir na contramão do senso comum
e perdoar?
Creio
que não exista um passo a passo a ser ensinado, mas trago a seguir algumas
reflexões que poderão auxiliá-los na busca pelo perdão ou por perdoar.
A
primeira reflexão que faço é sobre uma condição básica; a de estar disposto a
perdoar. Perdoar exige mudar sua percepção, sua forma de agir e pensar, e por
isso deve ser uma escolha sua. Exige de cada um sair de sua comodidade e dor
para caminhar até o outro e não esperar do outro uma atitude.
Outra
condição fundamental é a de que, para ser possível perdoar, é preciso conhecer
e compreender o outro. Para isto, é necessário superar os medos com
determinação, vontade e coragem. Mergulhar fundo no perdão buscando compreender
as motivações do outro, colocando-se no lugar deste. Esta atitude o fará
compreendê-lo melhor em sua inteireza – com suas qualidades e limites – e lhe
permitirá respeitá-lo assim como ele é. Podendo não mais considerá-lo uma
decepção ou desilusão (que indicam a não compreensão do outro como passivo de
falhas). Permitirá que você aja com empatia, que de forma simples, é a capacidade
de perceber o que se passa com o outro em seu íntimo, perceber os sentimentos e
situações como a outra pessoa o vivencia.
Dessa
forma, perdoar passa pelo estágio de enfrentar a dureza da realidade, enfrentar
a situação ocorrida, os sentimentos decorrentes e como tudo isso o afeta. É preciso confrontar esta realidade para
depois ser possível reconciliar-se com ela. Compreender o que se passou para
ser possível desatar o nó e não “simplesmente” fingir que o nó do
desentendimento não existe. E para isso é importante desapegar da culpa –
assumida ou projetada no outro – e abrir espaço para a esperança. Enquanto nos
mantemos com o dedo apontado e procurando por culpados pela dor que sentimos,
não seremos capazes de enxergar verdadeiramente o outro e nos colocarmos numa
posição onde o perdão é possível. Recuperar a reciprocidade, o querer perdoar
com a vontade de ser perdoado. Olhar de forma diferente.
Neste
processo algumas perguntas podem ser de grande ajuda:
(1) Você tem buscado o perdão/perdoar ou
tem sido a pessoa que insiste no conflito? Buscar a reconciliação é premissa
básica para o perdão. Se você tem essa consciência, deve partir de você essa
busca. Procurar deixar claro que da sua parte não há mais disposição para o
conflito e manter-se no caminho para a reconciliação até que se sinta disposto
a um contato mais íntimo.
(2) Consigo compreender e aceitar as
incoerências do outro?
Aceito
a minha família, amigos e colegas também em suas fragilidades, imaturidades,
falta de preparo para assumir responsabilidades, por exemplo? Quando
compreendemos e aceitamos, saímos da posição de juiz, de superioridade e
conseguimos nos colocar perante o outro de igual para igual, como quem também
tem limites. Aliás, será que somos tão diferentes assim, nós e eles? Quantas
vezes também EU já fui
perdoada e compreendida? Como me senti quando isso aconteceu?
Lembra da Cátia? Pois bem, ela já
cansada de carregar uma mochila tão pesada há anos, procura a terapia após
receber alguns conselhos de amigos. Após refletir sobre sua vida compreende que,
para perdoar, é necessária a vontade de renovar as energias. Decidiu que a
partir de hoje não quer mais a mágoa, o ressentimento e a raiva, mas sim a
oportunidade de amar, respeitar e ser generosa.
A
cada momento em que se lembra daquilo que lhe causava dor, ao invés de pensar e
desejar o mal, foi orientada a enviar coisas boas para aquela pessoa que
considerava ter lhe feito mal. Repete em cada um desses momentos: “eu te
perdoo por ter me abandonado”, “eu te perdoo por ter me feito sofrer”, “eu te
perdoo por ter me feito x”, enfim, “eu te perdoo”.
Vale
reforçar: para perdoar é necessária a vontade de renovar as energias. Não gaste
mais suas energias com sentimentos que te mantém escravo das lembranças do
passado; abra espaço para um novo horizonte.
Como em todo processo de mudança, pode
haver recaídas e a Cátia relata sentir dificuldades em alguns momentos. Mas o importante
é manter-se vigilante para recomeçar.
Para finalizar, peço que parem por
alguns minutos para pensar sobre uma frase da autora Balona (que trabalha a
autocura) que acho bastante significativa:
“Se
o afeto une, o desafeto ata”
E então, o que você escolhe?